SESSÃO 4
13 Out. 19h30


Tutuguri - Tarahumaras 79 de Raymonde Carasco e Régis Hebraud

Eksopramatikò e Balamos de Stavros Tornes


Tutuguri – Tarahumaras 79 de Raymonde Carasco e Régis Hébraud, 1980, 16mm, 25’
Eksopragmatikò [Fora da Realidade], de Stavros Tornes, 1979, 16mm (filmado em Super 8), 40’
Argumento: Stavros Tornes, Charlotte van Gelder; Imagem: Stavros Tornes; Montagem: Stavros Tornes, Charlotte van Gelder; Som: Nico d'Alessandria; Música: Charlotte van Gelder
com: Pupo, Caterina, Charlotte, Massimo, Nando, Otello
Balamos de Stavros Tornes, 1982, 35mm (filmado em 16mm), 82’
Argumento: Stavros Tornes; Montagem: Dimos Theos; Som: Manolis Logiadis; Direcção Artística: Dimitris Kakoulides; Colaboração Artística: Charlotte van Gelder
com: Stavros Tornes, Kyriakos Vilanakis, Eleni Maniati, Mitsos Aggelakopoulos, Entzo Attingenti, Constantinos Pagkalos, Christos Karagougas, Salim Salil, Brairam Ali

Tutuguri - Tarahumaras 79 foi filmado no Verão de 1979. Repete o ritual do Tutuguri, cantado e dançado seis vezes por Tranquilino, o Saweame, num tempo breve, rigorosamente preciso (um minuto e quarenta e cinco segundos). Palavras secretas de que apenas emergem as vogais - a dança constrói um espaço sagrado entre os quatro pontos cardeais de uma cruz, signo negro e pagão. Rito solar e nativo, anterior à conquista espanhola. A montagem é feita de um só plano entre os pólos concretos do tempo real e de um espaço-tempo dilatado e a partir de um material duplo: Tutuguri e Carreras (as corridas dos homens, "com bola" e das mulheres "com aro", específicas ao povo Tarahumara, que a etimologia declara como os dos "pés que correm").

"Stavros Tornes nasceu em Atenas, num bairro de refugiados da Ásia Menor (tal como a sua família). Tinha quatro anos durante a ditadura de Metaxas, doze no início da guerra civil e dezassete no fim da guerra. Na altura em que frequentava a escola de cinema, trabalhando em inúmeros empregos para ganhar a vida, partiu para o exílio perante a imposição da ditadura da junta militar a 21 de Abril de 1967. Instalou-se em Itália onde encontrou Charlotte van Gelder; juntos filmam Addio Anatolia, depois Coatti, a sua primeira longa metragem e Eksopragmatikò. É com a sua companheira que regressa à Grécia socialista em 1981. Tornes quer filmar um documentário sobre um mercado de venda de cavalos em Tessália. Em 1982, começa a rodagem, mas rapidamente muda o argumento, desenvolve-o e acaba por realizar Balamos: um road movie filmado nas montanhas, um filme que dá a ver e ouvir com límpida clareza que o mundo é um enquadramento e que o enquadramento é o mundo. Fiel às suas escolhas, continua nos seus filmes seguintes, Karkalou, Danilo Treles e Un héron en Allemagne a defender um cinema profundamente humano, antropológico, que trabalha a realidade ao mesmo tempo que o mito. Num desfecho, Tornes faleceu um ano depois do seu último filme." (Stavros Kaplanidis, realizador de Stavros Tornes: O Caçador Pobre do Sul, 1994)

Acerca de TUTUGURI - TARAHUMARAS 79

"Raymonde Carasco não convoca os textos de Antonin Artaud para sublinhar o seu próprio trabalho de descoberta. As provas de uma experiência estão no ecrã, mas temos ainda de refazer a 'Viagem ao País dos Tarahumaras' do escritor, para as identificar. Fragmentos dos textos de Antonin Artaud são lidos em voz off nos filmes Tutuguri, Los Pascoleros, Ciguri, Le Dernier Chaman, mas a maior parte das relações a partir das quais podiam proceder os filmes, são evitadas, escondidas e reinvestidas numa estrutura que se encontra na intersecção entre a ciência e a poesia (como essas construções que um dia descobrimos servirem para observar as constelações). Em Tutuguri, os fragmentos do poema designam o ritual descoberto para dispor os mistérios e comprovar o facto do filme ser construído de acordo com eles. Em torno da dança e do canto do Tutuguri circulam diversos motivos ou temas (a caminhada, o jogo, perante o olhar dos espectadores Tarahumaras, uma corrida na noite, um tocador de violino, o tronco de uma árvore)." (David Matarasso, Les films ethnologiques de Raymonde Carasco)

Acerca de EKSOPRAGMATIKÒ

Eksopramatikò – que significa estar fora da realidade – podia ter sido filmado pelo poeta austríaco Georg Trakl, um dos grandes montadores da história do cinema: sem câmara ou mesa de montagem, numa série de escritos, conseguiu que imagens de sentidos diversos se anulassem, conduzindo-as a um centro puro de afectos. Não obstante Stavros ser oriental, com o seu olhar duro como uma rocha apesar disso amaciada sob a luz quente, ele seguiu temperamentalmente o mesmo caminho: fragmentos ópticos dispersos reúnem-se com intensidade, criando uma espécie de lamento. Cenas da cidade e dos seus habitantes a juntar-se para assistir a um incêndio que rompe como uma língua pelas janelas de um edifício, enquanto, noutro local, um homem contra a luz do sol, apanha um comboio, sorri para a câmara e chega ao Etna, aí onde a cratera está em suspensão. Imagens filmadas em Super 8, com o tremer da mão a agitar os limites do enquadramento, parecem formar uma ponte sobre um pequeno barco que atravessa um largo rio (o tempo), com os amigos de Tornes sentados na proa: Massimo, Caterina, Nando, e especialmente Charlotte, a companheira do realizador e co-autora de todos os seus filmes, que arranha a banda Sonora com o seu violoncelo. Para além, disso o filme é como uma ponte suspensa unindo Tornes e a Grécia (à qual regressará algum tempo depois), depois de um período político intenso em Itália, onde trabalhou como actor em filmes dos irmãos Taviani, Francesco Rosi e Federico Fellini, mas onde, de modo mais importante, forjou um estilo cinematográfico pessoal (Estudantes – hoje perdido -, Addio Anatolia, Coatti, Eksopragmatikò), quase primitivo. (Constantinos Hadzinikolaou)

"Imaginem uma montagem alternada, mantida durante muito tempo. De um lado, o matraquear regular de um barco a motor. Um jovem casal a bordo, em roupa de Verão, turistas nórdicos que vagueiam. Planos fechados neles, planos abertos e doces da margem. Mergulhamos numa espécie de floresta virgem verdejante. Impressão de bem-estar. "Fora do concreto" ou "fora do real". Mas é filmado na natureza, sem qualquer intervenção exterior. A realidade dá aqui uma volta singular, como se progredíssemos aqui e ali num mundo desconhecido. Mostra-nos que há dois modos de estar no mundo, de efectuar a viagem ou o trajecto da existência. Durante a alternância entre os dois, ao longo do filme inteiro, não cessa de questionar (qual o lugar entre uns e outros? Alguma vez se encontrarão?) e de acrescentar uma estranheza, um mistério." (Fabrice Revault)

Acerca de BALAMOS

"Queria comprar um cavalo que me conduzisse a locais difíceis de alcançar pelo Homem. Entrei em contacto com o mundo dos comerciantes de cavalos e com Kyriakos que me conduziu a lugares para onde não é fácil transportar uma câmara. Nasceu assim a personagem de Balamos, um homem em constante viagem e que se extasia perante o mundo. Caminha sem objectivo definido, à aventura, mergulhado no seu sonho, dando-se às situações que se apresentam. Não comprei um cavalo. Comecei o filme com esse desejo sempre vivo de um cavalo" (Stavros Tornes)

"Alguém quer comprar um cavalo: deambula pelo campo grego como um sonâmbulo. É Balamos, e dá o título ao filme: aquele que vive na ficção e atinge o seu êxtase na viagem. Em busca do cavalo, caminha através das estações anti-naturalmente, juntando (e abrindo) grandes interstícios temporais. Das entranhas da aldeia, de noite, para o camião, começa a seguir o motorista, que lhe conta histórias e o conduz a um mercado de cavalos. Nunca ninguém filmou o olho de um cavalo, ou um cavalo como fez Tornes. Não se trata de representação, mas de algo irradiante! O cavalo vem directamente da Antiguidade, com tamanha brancura, sem mácula das esporas. E o olho é opaco, com a escuridão inequívoca de um tinteiro, ainda mais vertiginosa que o olho golpeado em Un Chien Andalou de Buñuel (um cineasta que Tornes admirava). “Depois olhámos-nos nos olhos e vi como se olhasse para um espelho mágico. Através da densa luminosidade da pupila do olho desfilam imagens como relâmpagos em ondas sucessivas.”, escreveu Tornes num esboço do argumento. Da Idade Média, Balamos salta para o primeiro período do Cristianismo – como um escravo que se revolta –, encontra a Vidente e a profeta, vai ao Olimpo e transforma-se num príncipe que bebe o sangue dos cavalos. Regressa à cidade de táxi. Neste caso, o termo flashback não faz sentido, porque Balamos decorre num tempo que é só seu, criando em vez disso espaços que não estão associados por uma coladeira mas pela terra. É uma montagem feita de lama e alguém pode perguntar: “Mas quem é este que conseguiu fazer com que estes materiais funcionassem com tamanha força dando ao mesmo tempo a impressão de que a estrutura vai desabar?” Para além disso não é tanto a associação, mas sobretudo o corte entre os planos, tão profundo, como se fosse feito por um machado. O mesmo acontece na banda sonora: a roda a crepitar, o coaxar do sapo, o vento e o voo dos pássaros ao amanhecer, fundem-se num zumbido electrónico em bruto que vem do além. Quando Stavros Tornes regressou à Grécia depois de um exílio auto-imposto em Itália (1967-1982), filmou para a televisão grega o documentário de meia hora Reportagem Imaginária para um Cavalo de Tessalónica – que já não existe. Ao perseguir uma prática inédita para a tacanhez do seu tempo, ele adiciona novas imagens às já existentes e desenvolve uma nova ideia: Balamos foi feito com um orçamento mínimo. A sua deambulação, no entanto, é interrompida prematuramente. Depois de mais três filmes de ficção – Karkalou, Danilo Treles (o famoso músico Andaluz) e Un héron en Allemagne – faleceu em 1988, aos 56 anos; no fim, como uma raposa, lambeu as suas feridas e evaporou-se." (Constantinos Hadzinikolaou)