SESSÃO 10
27 Out. 22h00

Helsinki, Ikuisesti, Peter von Bagh

Eureka de Ernie Gehr, 1974, 16mm, 30'
Helsinki, Ikuisesti [Helsínquia, Para Sempre] de Peter von Bagh, 2008, BetaSP, 75'

"Não vivemos apenas no presente. O passado, com todas as suas memórias, acontecimentos e experiências, está vivo em nós. Muitas vezes o passado é mais poderoso que o presente." (Comentário de abertura de Helsínquia, Para Sempre)

Acerca de EUREKA

Eureka é a refilmagem de um filme notável que mostra Market Street em São Francisco na viragem do século. O filme de origem é um longo plano contínuo filmado da frente de um eléctrico em movimento. […] Reimprimi cada fotograma seis ou oito vezes, aumentei os contrastes e as oscilações da luz. De alguma maneira, o filme original foi transformado, mas espero que este ligeiro processo de mutação me tenha permitido criar o espaço para tornar disponível a obra original, sem demasiada intervenção. Isso era importante para mim, na medida em que me apercebi de que aquilo que fiz, foi em parte semelhante ao trabalho de um arqueólogo ao ressuscitar um velho filme e as sombras e forças de uma outra época.” (Ernie Gehr)

“Gehr: Não tinha um guião. Queria que o original emergisse e que fosse tão 'transparente' quanto possível. Isso era importante. Ao mesmo tempo, o que pode parecer uma contradição, também queria deixar algumas das minhas marcas no filme, incluindo a ideia de que estamos a olhar para um artefacto do tempo, da história humana bem como da história do cinema – mas de uma forma calma, de uma forma discreta. O que tinha de fazer era encontrar um equilíbrio entre o filme original e o meu interesse crescente por este trabalho em particular. Não procurar grandes-planos nem seleccionar detalhes era importante porque precisava de trabalhar com a linguagem cinematográfica daquele período, respeitando-a – estamos a falar de um cinema pré-Griffith. Aprendi noutros trabalhos que fiz, como Still, acerca da poesia e das implicações em jogo quando destacamos um pormenor e acerca do tempo que precisamos para o ver, mas também acerca do modo como uma imagem mais geral parece negar-lhe acesso e engoli-lo em seguida. Também lutei com o ritmo do filme. Por vezes, desejava desacelerar a imagem e outras vezes tinha vontade de fazer o contrário. Senti que isso seria um erro. Seria chamar a atenção para momentos específicos, ou para certos acontecimentos, negligenciando outros. Para mim, o mais importante era manter o movimento numa linha de fronteira entre a imagem fixa e o movimento. Decidi manter um rácio variável que não fosse perceptível, ou quase não o fosse, algures entre os quatro e os oito fotogramas por cada fotograma do original. Se estivermos receptivos ao filme e nos mantivermos sempre com ele, talvez comece a acontecer algo mágico a um quinto do filme. O mundo no ecrã começa a ter vida. O filme parece muito antigo, mas igualmente muito contemporâneo. O tempo torna-se elástico, não reduzido, antes acelerado.” (Conversa entre Scott MacDonald e Ernie Gehr)

Eureka de Ernie Gehr, parte do travelling de um velho filme, provavelmente produzido pela companhia Hale’s Tours: a Hale’s Tours produzia filmes de viagem, muitas vezes filmados a partir de comboios em movimento que o público acompanhava sentado em compartimentos de carruagens recriadas. Gehr fotografou o filme mais uma vez, registando cada fotograma oito vezes – um gesto fílmico de procrastinação, capaz de produzir um tempo solene, como se se tratasse de um Canto. Este material interessante e antigo transforma-se num filme sobre a geografia do passado, sobre as imagens arquivadas, a transição para o grão carregado e a ilusão do movimento. (…) Eureka é a exclamação insistente de Gehr sobre o cinema: “Encontrei!” Encontrou o material. Encontrou o seu título no material. Encontrou um método simples e eficaz para o tornar granulado e quase estático ao mesmo tempo que o exponencia, como numa canção. Ainda mais eficaz e comovente é perceber que Gehr, ao gritar “eureka”, declara que encontrou o seu ofício, a sua arte, o ponto de partida da sua paixão reprimida e do seu contentamento ganho a custo, que podem agora tomar forma e sentido.” (P. Adams Sitney)

Acerca de HELSÍNQUIA, PARA SEMPRE

“Peter von Bagh revive neste filme a tradição do mudo da Sinfonia de uma cidade, mas enquanto que nesses clássicos do género a acção estava confinada a um dia, Helsínquia, Para Sempre, cobre um século com a sua colagem de filmes de actualidade, filmes de ficção, pinturas, música e cantigas. O filme percorre a cidade geograficamente, bairro a bairro, e fá-lo ao mesmo tempo historicamente. As nove décadas da República independente da Finlândia foram conturbados e muitas vezes brutalmente violentas; mas em vez de obtermos uma cronologia informativa, experimentamos as convoluções da História tal como os que a viveram e aqueles que observamos graças ao cinema. Sem cessar passam à nossa frente pessoas reais ou personagens inventadas, nas ruas, nos parques, no cinema, nas marchas, comícios políticos, manifestações de entusiasmo ou protesto. Von Bagh nota com precisão que em todos estes momentos filmados, podemos sempre entrever o rosto de uma criança a olhar para nós - e para o seu futuro. A dominar tudo está a história colectiva dos edifícios: a arquitectura da cidade celebrada pelos seus pintores e realizadores, erigida com orgulho optimista e sujeita a abuso e demolição. O filme de Von Bagh é um acto poético notável. Não observamos apenas a história: nas palavras do comentário, a "História olha-nos a nós". O filme começa com um dos mais extraordinários momentos documentais, visto noutras compilações, mas digno de ser revisto várias vezes: um grande barco quebra o gelo à sua passagem, enquanto um grupo de homens e rapazes, entre eles um de bicicleta e um de motorizada, correm transversalmente à frente do seu avanço inexorável, alegres e destemidos, desafiando o gelo que quebra a pouca distância.” (David Robinson)

“Poucos filmes podem gabar-se de ter uma sequência de abertura tão forte e poucos filmes oferecem um final tão extraordinário. E das duas, acho que o que admiro mais é a fluidez da montagem, a forma de brincar com o tempo de uma maneira que consegue ao mesmo tempo surpreender e ser perfeitamente natural. Esta Helsínquia merece estar entre os grandes "poemas urbanos" e para mim acima de Ruttmann, por exemplo, e por uma razão: se li na sua Berlim a dedicação social e a mestria estética, não senti uma familiaridade com a cidade, com a sua história, os seus fantasmas, tal como encontrei no seu filme. Igualmente, algo que muitos têm tendência a subestimar, mas que é crucial para mim: a música. A sequência do Zeppelin transporta uma beleza assombrosa, próxima da do paquete de Fellini, mas acho que não atingiria esse clímax de emoção, se nesse momento a música não trouxesse essa canção perfeita de melancolia. Da sua escolha de documentos incríveis e a mistura infalível de elementos musicais, montagem e pauta, resulta um filme inesquecível. E como desenvolvi um laço forte com Helsínquia (estranho, se pensar na brevidade da minha visita em 1952), posso dizer que esta é a melhor maneira de celebrar o Ano Novo.“ (Chris Marker)