SESSÃO 1
2 Out. 21h30

Brittanica de John Latham, 1971, 16mm, 6’
Spiral Jetty
de Robert Smithson, 1970, 16mm, 32’
Casting a Glance
de James Benning, 2007, 16mm, 80’

“O TEMPO É IRREAL como uma ideia real”, escreveu John Latham numa declaração que acompanhou uma projecção do filme. Muito do trabalho cinematográfico de Latham foi desenvolvido a partir de uma interrogação sobre o conceito de Tempo. Em Brittanica, Latham filmou toda a Enciclopédia Britânica a um fotograma por página: a história do conhecimento humano transformou-se num fluxo de imagens, pulsante e ilegível. A informação é igualmente uma preocupação central em Britannica: a nossa capacidade para ler e digerir o conhecimento armazenado numa enciclopédia de diversos volumes é desafiada pela aceleração do tempo precipitada pelo realizador.

Spiral Jetty, realizado por Robert Smithson, é um filme poético e processual e um “retrato” da Spiral Jetty, a sua famosa escultura estendida a partir da margem do Great Salt Lake no Utah. A voz em off de Smithson revela a evolução da Spiral Jetty. Sequências filmadas num museu de história natural são integradas no filme, mostrando relíquias pré-históricas que ilustram temas centrais do trabalho do artista. Uma secção de um minuto filmada por Nancy Holt, responde ao pedido de Smithson para que filmasse “a história da terra”. A ideia surgiu de uma citação que encontrou: “…a história da Terra assemelha-se por vezes a uma história escrita num livro cujas páginas foram arrancadas e rasgadas em pedaços. Muitas dessas páginas e alguns desses pedaços desapareceram…” (Thomas H. Clark, Colin W. Stearn, Geological Evolution of North America, New York, Ronald Press Co.) Smithson e Holt guiaram até ao topo do Great Notch Quarry em Nova Jersey. Smithson subiu até ao topo de onde atirou mãos-cheias de páginas rasgadas de livros e revistas enquanto Holt filmava.

casting a glance é um dos últimos filmes de James Benning e constitui uma dedicatória à Spiral Jetty, escultura que o realizador filmou várias vezes ao longo da sua carreira e que ocupa um lugar central no seu cinema e no modo como este se constitui numa reflexão acerca do espaço e do tempo.

Acerca de SPIRAL JETTY

“O filme começa como uma série de desconexões, um emaranhado de fragmentos estáveis com origem em coisas obscuras e fluidas, ingredientes captados numa sucessão de fotogramas, uma corrente de viscosidades ao mesmo tempo imóveis e em movimento. O montador do filme, dobrado sobre um tal caos de takes, assemelha-se a um paleontologista a tentar perceber as imagens de um mundo ainda disjunto, de uma Terra que ainda não o é, de um pedaço de tempo inacabado, um limbo sem espaço numas bobines espirais. Fitas de película penduradas na mesa do montador, pontas e pedaços do Utah, segmentos de filme sobre e sub-expostos, uma massa de material impenetrável. O sol, a espiral e o sal enterrados em comprimentos de imagem filmada. Tudo no cinema e no modo de fazer filmes é arcaico e rude. Somos transportados por este medium do período Arqueozóico para a primeira das eras geológicas conhecidas. A mesa de montagem transforma-se numa 'máquina do tempo' tornando camiões em dinossáurios. O filme recapitula a escala da Spiral Jetty. Elementos diversos ganham coerência. Lugares e coisas improváveis são enfiados entre as secções do filme que mostram uma extensão da estrada poeirenta que leva ao local exacto no Utah. Uma estrada que vai para cá e para lá entre coisas e lugares que estão noutro sítio. Pode mesmo dizer-se que a estrada não está em nenhum lugar em particular. A disjunção que opera entre a realidade e o filme, conduz-nos a uma sensação de ruptura cósmica. Enquanto observava o lugar, o horizonte reverberava, sugerindo um ciclone imóvel, enquanto a luz brilhante fazia a paisagem parecer um terramoto. Um terramoto adormecido espalhado na calma tremeluzente, numa sensação de vertigem sem movimento. Este local é uma rotação que contém em si mesmo uma extrema circularidade. Desse espaço a girar emergiu a possibilidade da Spiral Jetty. Nenhuma ideia, nenhum conceito, nenhum sistema, nenhuma estrutura, nenhuma abstracção se suportam na realidade dessa evidência. A minha dialéctica do lugar e do não-lugar rodopiou até um estado indeterminado, onde o líquido e o sólido se perderam um no outro. Era como se o lago se transformasse no limite do sol, uma curva incandescente, uma explosão a emergir numa proeminência ardente. Matéria em colapso no lago e espelhada na forma de uma espiral. Não vale a pena pensar em classificações e categorias, pois não existe nenhuma.“ (Robert Smithson)

Acerca de CASTING A GLANCE

“Para se ter a experiência da Jetty, temos de lá ir muitas vezes. É um barómetro dos ciclos diários e anuais. De manhã à noite, a sua aparência elusiva sempre em mudança (radical ou subtil) resulta da passagem de um sistema atmosférico ou simplesmente da mudança do ângulo do sol. A água pode parecer azul, vermelha, violeta, verde, castanha, prateada ou dourada. O som pode ser o de um barco da marinha, de gansos que passam, tempestades convergentes, de alguns grilos, ou ser um silêncio tão calmo que podemos ouvir o sangue a circular nas veias dos nossos ouvidos.” (James Benning)

“O retrato feito por James Benning deste conhecido trabalho de land art consiste em 78 planos de um minuto, filmados com uma câmara fixa em diversos momentos do ano e do dia. Adere de novo a um esquema rígido: cada uma das 16 sequências consiste em quatro ou cinco planos separados a negro. Estão marcadas com datas, dando-nos uma cronologia. O título do filme e a dedicatória – “em memória de Robert Smithson”, são seguidos por uma imagem da superfície do lago acompanhada pelo som de água. A água e o céu parecem fundir-se, a linha do horizonte é praticamente indiscernível. O título indica o ano em que a Spiral Jetty foi construída: 30 de Abril de 1970. Neste primeiro plano a Jetty aparece inteira com a linha costeira paralela à parte inferior da imagem e a escultura enrolada ao centro. A simetria e total visibilidade estabelecem uma visão perfeita da paisagem. Perspectivas posteriores oscilam permanentemente entre este conceito de perfeição e beleza e a sua destruição. A cronologia estabelece a história da Spiral Jetty como um flashback temporal num filme de ficção. Benning investigou meticulosamente a informação estatística e recorreu a diagramas dos níveis da água nos passados trinta anos anteriores para contar a história da mudança de visibilidade da Jetty. Esta narrativa histórica mais abrangente relaciona-se com a micro-história da investigação que Benning faz do local e da obra de arte durante as visitas que realizou de 2005 a 2007 – os últimos inserts indicam a data de 15 de Maio de 2007. As mudanças climáticas e geológicas ao nível da água são reflectidas conceptualmente nos ciclos diários e sazonais da Jetty durante as visitas de Benning ao local. Estas mudanças constantes são mostradas em vários planos, incluindo nos grandes planos dos cristais de sal e nos planos panorâmicos da costa. Os inserts constituem marcas geológicas, estabelecendo registos do lugar extraídos ao longo do tempo.” (Claudia Slanar, Lanscape, History and Romantic Allusions. El Valley Centro (1999) to RR (1998))